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Segunda parte do conto “Prato da casa” January 12, 2010

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Agradeço as pessoas que acompanharam e comentaram no twitter, espero que vocês gostem do final.

Abraços,

-i

Completei um mês de trabalho. Tinha época que quase esquecia meu nome.Lá dentro eu era corno, filho de uma que ronca e fuça, abestalhado, cuzão, filho da puta, viado, imbecil e procrastinador. Estava saindo melhor do que a encomenda. Durante oito horas por dia, seis vezes por semana eu não era. Tudo automático, um simulacro de existência, onde eu só parava e me sentia consciente ao sentar na mesa do almoço. E quando, algumas vezes, a televisão do lugar estava ligada, eu só era consciente ao chegar em casa.

Pois bem. Seguindo o mapa de minha cabeça, parei outra vez em frente ao restaurante e me dei conta de algo que me causou certa estranheza. Todos os estabelecimentos da região ficavam somente no térreo. Os estoques normalmente ficavam atrás dos lugares. Andei num raio de quinhentos metros do restaurante, perguntei aos proprietários e nada. Ou seja, aquela escada em caracol não devia estar ali. Era o único lugar que tinha algo subterrâneo.

Alguém na rua acendeu um cigarro e eu vi o fogo.

Depois da análise, entrei com passos determinados em direção à escada e disse baixinho para a garçonete:

Eu vou comer lá embaixo.

Ela franziu a testa e indagou: por quê?

O que o senhor vai pedir?

Era dia de filé de frango. Filé de frango, por favor.

Então sente ali, que eu lhe sirvo aqui em cima, fique tranquilo.

Dito isso, a esperança de conhecer o que estava embaixo apagou junto com o cigarro na rua. Não tinha como descer, além do mais o chapeiro que normalmente não saía de dentro da cozinha estava de segurança no começo da escada.

Dia seguinte eu existi o dia inteiro.

O senhor está  com algum problema?

Quer tomar um ar?

Tem alguma coisa acontecendo?

Precisa de água?

Fiquei traçando um ponto de intersecção entre todas as pessoas que eu já tinha visto descer. Um executivo, um semi morador de rua, duas mulheres de vestido curto, um homem sem perna, um grupo de turistas chineses e um homem gordo de calça xadrez.

Todos pediram o “mesmo de sempre”.

Deve ser algum tipo de código. Provavelmente de uma rinha de galinhas ou bingo. Não importa, eu não conseguia parar de pensar.

O mesmo de sempre.

O mesmo de sempre o que?

Você  sempre reveza os pratos.

Se eu não me engano hoje é dia de calabresa, certo?

Não, quer saber, hoje eu vou tentar algo diferente, cadê o cardápio?

O restaurante também servia outros pratos, mais caros, é claro. Se o mesmo de sempre não é uma senha, a solução deve estar no prato que eu for comer. Eu quero tudo.

Tudo?

Tudo.

Desde o americano no prato até o iogurte batido.

Talvez demore, mas vou tentar ser o mais rápido possível.

Naquele dia passei mal, não desci e alimentei um bocado de mendigos.

Dois meses sem almoço. Dois meses a base dos gregos. 1,25 com suco de caju.

Consegui afastar o sentimento da cabeça, mas na hora do almoço eu resistia com tanta força que tinha que comer no lado contrário do restaurante. Quando minha situação financeira parecia estar estabilizada decidi voltar lá. A garçonete me olhou surpresa, mas sorriu desajeitadamente. Eu pedi o cardápio novamente. Eu já tinha experimentado tudo, já havia pedido todos os pratos da casa, menos um.

Naquele dia a luz incidiu no cardápio em um ângulo diferente e eu vi, meio que apagadas, algumas letras. Era o nome de um prato. Não entendi o que estava escrito, era extremamente bizarro e o som produzido era fora de qualquer padrão, quase não havia vogais. Eu apontei para ele e olhei para a garçonete. É esse aqui, eu quero esse.

A garçonete olhou pra mim, apontou para a escada e disse: pode descer. Bom apetite. Não consegui disfarçar o sorriso e desci. Os degraus eram estreitos e, muitas vezes, vacilei, quase caindo. A escada parecia não ter fim, tive a impressão que demorei cerca de 10 minutos para chegar até o final. Estava tudo escuro e um cheiro de comida invadia meus sentidos, um cheiro de algo delicioso e provavelmente caro. Por baixo daquele cheiro, também podia-se sentir a umidade e o ar pesado típico de profundezas ou escavamentos. O chão, assim como as paredes, era feito de pedras talhadas com cuidado profissional. Na minha frente havia somente um caminho, iluminado por pequenas tochas, provavelmente alimentadas por óleo. Segui pelo caminho escuro por alguns minutos e logo me vi perdido. Em certo momento, o corredor dividiu-se em dois. Logo as bifurcações aumentavam. Não sabia o caminho de volta e achei bom. Podia ficar ali vagando eternamente sentindo aquele cheiro. Não seria muito diferente do que lá em cima, melhor assim.

Um dos sentidos. Direita ou esquerda. Cheirei a esquerda.

Não mais segui a esmo e parei de escolher randomicamente o meu próximo passo. Depois de algum tempo ali embaixo, comecei a me acostumar com o cheiro e já sabia dizer se estava forte ou fraco. Logo consegui ver, ao final de um corredor estreito, uma luz extremamente fraca e muita falação. Cheguei devagarinho e me deparei com uma grande sala quadrada. Nela havia uma grande mesa de jantar e uma espécie de bancada com uma grande chapa de metal fumegante.

Cinco pessoas estavam sentadas e falavam entre si. Um homem careca com um grande bigode, um casal de gêmeos de aparência idosa, um asiático com roupa de office-boy e a senhora de roupas engraçadas que eu já conhecia. Pararam de falar por um momento, olharam pra mim e puxaram uma cadeira. Me deram um prato e um deles me disse: pode se servir, não faça cerimônia. No meio deles havia uma grande travessa com vários pedaços de carne cortadas em filé. Vinha dali o cheiro. Me servi com dois pedaços, cortei e levei à boca. O gosto era doce e meio amargo no final. Nunca tinha provado nada tão distinto.

Quando ensaiei um primeiro contato, o grupo se calou de repente. Levantaram da mesa e eu os imitei. Alguém estava entrando e se dirigindo para trás da bancada. Seu rosto estava escondido na penumbra e sua silhueta era a única coisa perceptível. Era alto e parecia ser musculoso. Sua cabeça parecia ser maior que o padrão. Conforme foi chegando mais perto da bancada alguns traços podiam ser vistos com mais clareza: um nariz saltado para frente, pelos abundantes… Eu ouvia a respiração dos gêmeos ficando cada vez mais forte e eu engoli rapidamente o pedaço que ainda mantinha na boca. O silêncio se quebrou quando uma peça de carne foi jogada em cima da chapa e o rosto, revelado. Nariz protuberante com grandes cavidades nasais e uma argola atravessando o septo, pelos espessos, olhos pequenos e um grande par de chifres.

Pensando agora, a coisa mais estranha não era o par de chifres, mas o som alienígena daqueles sapatos caros batendo contra o chão de pedra.

Primeira vez em um blog com mais 140 caracteres. December 25, 2009

Posted by aventurasferozes in Uncategorized.
5 comments

Nunca tive um blog e nunca tinha publicado nenhuma história com mais de 140 caracteres. Portanto será uma dupla novidade para mim.

O conto que segue abaixo foi divido em duas partes, por favor comentem e deixem suas opiniões que logo mais eu posto o resto.

-i

PRATO DA CASA

Prato feito de filé de frango, calabresa ou bife por apenas quatro reais. Tentador, certo? Eu também achei.

Fazia uns dois anos que já estava desempregado e resolvi assumir que não poderia trabalhar no mesmo cargo e nem ganhar o  mesmo montante de antes. Me mudei para uma pequena pensão no centro e me aconcheguei entre moribundos e drogados do local. Não tenho frescura. Preciso de poucas coisas para sobreviver: água, comida e livros. O resto é apenas uma soma de fatores que pode afetar minha vida, como a falta de dinheiro.

Sim, eu recebi seguros e os outros direitos, mas uma parte disso eu doei e a outra fui usando para me manter, chegando ao ponto onde atravessei o rubicão e minha sorte foi lançada. Precisei de um emprego.

Entre prédios comerciais, ruelas escuras e becos mal-cheirosos fervilham antros onde o infinitivo é usado de maneira não usual, músicas de espera são clássicos distorcidos e os xingamentos são abafados pelo volume baixo de fones de ouvido. É ai que eu gostaria de estar, era o lugar perfeito para sumir e me desfazer em meio de tanta gente.

Era um prédio antigo, com pequenos afrescos e uma grande porta feita de metal com tinta saindo. A fila que brotava da porta era tão grande quanto o número de palavras que normalmente eram proferidas nas salas em que iria trabalhar. Muita gente, muito calor e eu.

Olá, represento a Alegroshop e gostaria de poder estar fazendo o seu cadastro.

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Meio dia, primeiro dia, primeiro almoço, nova região.

É  assim que acontece comigo. Como não tenho fogão costumo comer em restaurantes onde a pinga normalmente é o café da manhã de muita gente. Nunca passei mal.

Saí do prédio procurando algum lugar barato para almoçar e após entrar em algumas ruas e galerias me deparei com a placa escrita à mão.

Prato feito de filé de frango, calabresa ou bife por apenas quatro reais.

O lugar tinha uma aparência limpa e se perdia entre dezenas de outros restaurantes limítrofes que tinham placas maiores e mais lugares. Foi ali mesmo que sentei e pedi uma calabresa com um pouco de queijo mussarela por cima. O lugar tinha cerca de trinta metros quadrados, algumas mesas, uma bancada para receber os pedidos, uma cozinha aberta, banheiros e uma escada caracol que levava para algum lugar abaixo. De oito mesas, três estavam ocupadas. Eu em uma, uma senhora de cabelos brancos e roupas engraçadas em outra e por último uma pessoa possivelmente dormindo, com a cabeça entre os braços.

Enquanto reparava em alguns detalhes e padrões estranhos da roupa daquela senhora, um engravatado com pinta de executivo entrou no restaurante. Era visivelmente um peixe fora d’água. Ele olhou para garçonete, que perguntou:

O mesmo de sempre?

Ele assentiu com a cabeça esboçando um leve sorriso e desceu as escadas em caracol.

O mais engraçado nem era o fato de uma pessoa possivelmente mais abastada estar ali pedindo comida e sim o som dos sapatos caros batendo contra os degraus de ferro da escada.

Era totalmente alienígena.

Ninguém demonstrou qualquer estranheza,. Só eu fiquei corado e comecei a comer a refeição recém-chegada.

Segunda semana, segunda-feira, segundos para o almoço.

Continuava comendo no mesmo lugar de sempre. Encontrar aquele restaurante era muito difícil no começo. Muitas ruas, quebradas e becos e eu acabava sempre passando a entrada. De alguns dias pra cá começava a entender o caminho e já tinha traçado um mapa mental para o tesouro.

Pedi um bife acebolado. Hoje era dia de bife.

Revezava entre os três pratos para não enjoar. A garçonete anotou o pedido e trouxe o prato de salada como entrada. Enquanto comia um pedaço de alface, um homem gordo de calça xadrez entrou e pediu um café. A garçonete parecia reconhecê-lo e começou a puxar papo. Não prestei atenção em nada do que disseram, só peguei o finalzinho da conversa. Ele agradeceu o café e falou que ia descer, e completando, pediu: Me vê o mesmo de sempre. Ela sorriu e lhe desejou bom apetite.  Desceu apressado e quase tropeçou.

Ao longo da semana via pessoas descerem a escada em caracol. Algumas somente olhavam pra garçonete, que parecia entender a linguagem não verbal, e logo já desciam a escada de metal.

O mesmo de sempre, o mesmo de sempre, o mesmo de sempre.

Ficava sempre observando, mas nunca minha curiosidade era maior que a fome. Comia e voltava para o meu cubículo de paredes modulares.